Em
nosso mundo turboglobalizado, inevitavelmente, a proteção contra a violência de
gênero deve inscrever-se dentro dos diversos marcos jurídicos implicados
(nacional, regional, local, europeu e também internacional ou de governo
mundial). E por isso temos de tratá-la como uma complexa análise multinível, tal
como a desenvolvida pela Dra. Freixes, a qual comenta sobre a necessidade de
garantir a segurança das vítimas de violência de gênero tem obrigado (2015: 14)
a “que a União Europeia tenha tido que abordar o problema, ainda sem dispor de
base jurídica direta nos Tratados, mediante instrumentos tangenciais, como é o da
ordem de proteção, fundamentada na cooperação jurídica em matéria penal.”
Precisamente
por isso, as pesquisadoras do projeto Epogender (2015: 14) se esforçam por
fazer possível que se garanta dentro da União Europeia, ao menos com respeito
às medidas de proteção das vítimas de violência de gênero, que “o que um juiz
tem decidido num Estado também seja levado em consideração em outro”. Superando
os estágios iniciais de “soft law” com (2015: 15) “instrumentos de hard law,
isto é, mediante normas que tivessem eficácia jurídica dispositiva”, os Estados
membros da UE (2015: 16) “tem que adaptar seu regulamento interno ao que se
estabelece nesta Diretiva 2011/99/UE, buscando um termo médio comum comunitário.
Para isso, terão que estabelecer os mecanismos processuais apropriados, designar
as autoridades de contato e assegurar o efetivo cumprimento das medidas de
proteção que se incluam na ordem. ”
T.
Freixes e L. Roman (2015: 13) constatam a dificuldade de tudo isso ao “não
existir na União Europeia um conceito uniforme de violência de gênero ou porque
os procedimentos que os respaldariam também não estão harmonizados”. Por tanto
(2015: 17)) “resulta de vital importância detectar os standards comuns e as
divergências existentes neste âmbito, não só quanto ao que o regulamento se
refere, senão também no relativo às práticas utilizadas por este”.
Laura Roman
(2015: 31s) constata que “apesar de que nenhum de seus Tratados originários
confere à União Europeia uma base jurídica específica para intervir no âmbito
concreto da violência de gênero, a União, através de uma política de gênero
própria, tem contribuído determinantemente para esta causa. Nem a inexistência
de referências à violência de gênero no direito primário nem a ausência expressa
de título de competência, exclusiva ou compartilhada, têm impedido às
instituições europeias começar a pronunciar sobre esta questão […para] não só
condenar energicamente os atos de agressão contra as mulheres, senão de contribuir
a eliminar qualquer manifestação de violência sexista e de encobrir seu efeito
nas vítimas.”
Agora
bem, não podemos obviar que em casos como o processo de desenvolvimento da
Ordem europeia de proteção das vítimas contra violência de gênero, a cooperação
entre tribunais e juízes europeus e nacionais tem sido o motor mais decisivo.
Inspiraram-se nas declarações de direitos humanos e outros documentos
similares, e também têm ido para além da literalidade de uma legislação em
construção, desigual segundo os países, e ainda atrasada. Atualmente pois, não
se segue na União Europeia a dinâmica tradicional onde primeiro o poder
legislativo -convocado ad hoc com
poderes constituintes- estabelece uma constituição e esta é posteriormente
desenvolvida também pelo legislativo num código jurídico completo, aos que os
juízes devem subordinar afim de aplicar às circunstâncias concretas.
Como
é sabido, a que deveria ser a "Constituição Europeia" foi vetada e
não promulgada devido à rejeição da cidadania em alguns referendos estatais.
Desde então, a construção interconstitucional europeia está a levar-se a cabo
de uma forma muito menos habitual e tradicional, além de bem mais complexa e caótica.
Assim -como explica Teresa Freixes, catedrática Jean Monnet ad personam- basicamente a ordem europeia
de proteção é um complexo desenvolvimento que depende do artigo 6 do Convênio Europeu,
mas sobretudo da doutrina fixada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos e da
colaboração entre juízes europeus. Sem dúvida tudo seria mais fácil se se
pudessem seguir os mecanismos tradicionais, ou bem, não se tratasse de uma
questão tão imperiosa e com tantas consequências negativas para as pessoas que
sofrem essa violência. Mas a realidade é a que é, e há que se perguntar até que
ponto a vida ou as pessoas vítimas da violência de gênero podem esperar aos
muito lentos ritmos da construção política, jurídica e social da União Europeia.
Parece,
pois, que, com frequência, muitos aspectos relevantes da construção europeia
(que há que qualificar como proto e inter constitucional) se aproximam
perigosamente ao que no Brasil se denomina " ativismo judicial". A
professora Diva Safe Coelho define em poucas palavras o "ativismo
judicial" como sendo o movimento que defende que os juízes possam -a
partir de uma análise concreta e procurando realizar ao máximo a justiça- ir
para além da literalidade do marco normativo da lei. Isto nos leva a perguntarmos
se as muitas dinâmicas atuais na construção interconstitucional da União
Européia (como por exemplo a ordem europeia de proteção contra a violência de gênero)
podem ser vistos como "ativismo judicial" e se, em tal caso, essas
dinâmica e aparente “ativismo judicial” são legítimos ou não.
Cabe
perguntar-se pois: se princípios legislativos supranacionais -com frequência em
construção e definidos basicamente em declarações soft law- sobre a exigibilidade
e respeito aos direitos humanos, podem chegar a valer como hard law? Ou em
outros termos: se em tais casos, são legítimos os ditames e sentenças dos
tribunais nacionais e supranacionais, inclusive quando faltam o desenvolvimento
concreto de mecanismos e regulamentos hard law que terão de ser efetuados e ao
que deveriam os juízes tradicionalmente seguir?
(Tradução:
Diva Julia Safe Coelho)
É
o post A PROTEÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA DE GÊNERO. Continuou no post: VIOLÊNCIA DEGÊNERO, INTERCULTURALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE.
Tambem PROTEGER DE LA VIOLENCIA DE GÉNERO
Tambem PROTEGER DE LA VIOLENCIA DE GÉNERO
No comments:
Post a Comment